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- Júlio! - fui forçosamente arrancado dos meus pensamentos - Júlio!
Permaneci absorto por uns instantes, sem fazer mínima ideia do que se estava a passar.
- Que horas são? - balbuciei.
- Já são horas, já são horas. Já estou pronto, temos um comboio para apanhar.
Tinha combinado ir com Guilherme, na véspera da sua partida para as Beiras, até ao centro da capital. Talvez uma despedida, algo forçada, de um amigo com quem não dispendi de tempo suficiente. Deixava-me inconfortável saber que não o iria compensar apenas com uma companhia até ao centro histórico da cidade, mas não havia tempo para mais. Partimos.
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À chegada, o sol não nos sorria. Sorria-nos, como se se sentisse culpada, a cidade, dourada de outono, albergando multidões bem agasalhadas, prevendo um rigoroso inverno. O fraco sentimento de vazio era amainado pelas fumegaças que se soltavam aqui e ali, preenchendo cada recanto da cidade com o aroma a castanhas assadas.
Nas ruas, as pessoas caminhavam, de olhos postos nos seus pés, indiferentes a tudo. Algumas conversavam, outras falavam ao telemóvel, mas, na sua maioria, existiam enquanto solitários pensativos. Chegava-me a perguntar, quando um ou outro indivíduo mostrava uma cara tão cerrada que não deixava adivinhar, o que pensava certa pessoa. As ruas estavam, no entanto, agitadas pelo frenezim típico da época em que, por norma, as pessoas voltam aos seus postos de trabalho, após um atribulado período de férias.
À passagem da gare do Rossio - ainda encerrada devido a obras - não pude deixar de notar a sua imponência que era, no entanto, convidativa. Erguia-se uns metros mais adiante o fantástico Teatro Nacional Dona Maria II, que, ainda mais imponente que o edifício anterior, parecia reveindicar toda a praça D. Pedro IV como estando sob sua vigia. Foi diante da sua colossal fachada, sentado no rebordo de uma das duas fontes de bronze ali presentes, que pela primeira vez sentira, semanas antes, os ombros arqueados pelo sentimento de derrota. Foi aqui, com D. Pedro a observar-nos lá do alto, que eu soube.